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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 1 de abril de 2018

Péricles Eugênio da Silva Ramos - Teoria da Permanência ‎

Tudo são símbolos neste poema de Ramos, das flores do ipê e da papoula à serpente – que, pelo momento, ainda não instila o seu veneno, ela que representa os estados transgressivos, hetéricos ou sacrílegos, digamos assim –, e de quem devemos nos afastar, para que possamos nos manter puros no ocaso, quando então as sombras do espírito se fundirão às das folhagens e às da noite.

Tal é a permanência possível, no correr da jornada, a nos fazer arder o desejo e a esperança que, mas à frente, os sonhos derramem em pétalas, antes que se materializem no horizonte – metáfora dimensional a nos alertar de que a fortuna de tudo quanto existe é a finitude.

J.A.R. – H.C.

Pérciles Eugênio da Silva Ramos
(1919-1992)

Teoria da Permanência

A tarde, resplendor de pêssegos maduros,
atira, céu abaixo, as suas redes de ouro,
e, éguas sagradas agitando crinas brancas,
relincham na montanha as cataratas:
calada, ó profetisa de olhos doces,
deixa cair sobre teu rosto a flor do ipê,
e sente nessa tarde concentrada
o dia que se esvai e roça a tua pele
como que a oferecer-te o augúrio de teu fim.

Ou colhe, se preferes, a papoula em chamas,
e vê como esse fogo de esperança
é ao mesmo passo, aquém dos horizontes,
o próprio sono transformado em pétalas.

Não, não esmagues a teus pés a cascavel,
nem sofras que o terror te empalideça
quando escutares os seus crótalos fatais:
a hora não chegou, ela não morderá;
mas não a enfrentes, nem confundas esse guizo
com o ébrio craquejar das castanholas,
nem com o tinir dos outros guizos
de qualquer rei Momo:
a taça está repleta, não a vires,
nem queiras temerária provocar os fados.

Os dias já contados, não conjures
os elementos contra a luz que te rodeia:
colhe a papoula em chamas ou a flor do ipê,
contempla a tarde como esplende
igual a um fruto diáfano de mel.
Ipê ou tarde, faze a tua vida
brilhar intensamente como o sol:
depois, que a tua luz se apague;
há de ficar ao menos a lembrança de um clarão
em tua sombra que se fundirá
na sombra das folhagens e da noite.

Em: “Lua de Ontem” (1960)

Paris à noite
(Charles C. Curran: pintor norte-americano)

Referência:

RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Teoria da permanência. In: __________. Poesia quase completa. Rio de Janeiro, GB: Livraria José Olympio Editora, 1972. p. 118-119.

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