Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Augusto Frederico Schmidt - Soneto Amazônico ‎

Em soneto livre, sem rimas e sem métrica – com versos a oscilar em espessura, como as águas de sua bacia hidrográfica –, o poeta descreve um cenário que se passa na Amazônia, dir-se-ia, um cenário-padrão em que a natureza se transforma a cada minuto, mantendo, nada obstante, o caudal escuro de seus grandes rios e o poder fatigante do verde da floresta, ora sob a ameaça de devastação.

Fala ele de um silêncio primordial, que adviria do instante mesmo de sua criação, e de um equilíbrio numeroso – levando-me a pressupor, neste caso, que se refira às cadeias alimentares sem conta a que está submetida a sua vasta fauna.

E submersa nas penumbras do ocaso, imerge essa fauna, acolhida pela flora da Hileia, na noite em que quase não se constata a atenuação do clima, a umidade a permear todo o espaço, em têmpera cálida, tórrida, fervilhante...

J.A.R. – H.C.

Augusto Frederico Schmidt
(1906-1965)

Soneto Amazônico

As águas quietas e escuras guardavam no seio imóvel
A cor dos grandes céus com suas nuvens,
E guardavam um silêncio como não vi maior:
Um silêncio maduro, de coisas se transformando;

Um silêncio fecundo, de natureza crescendo;
Um silêncio inicial, de antes de o mundo possuir
Suas formas, o seu ritmo, o seu equilíbrio numeroso;
Um silêncio prestes a se partir num grande grito.

Em torno das águas escuras estava a floresta tropical.
Com a sua exasperada palpitação e o seu denso mistério,
As árvores pareciam esperar um acontecimento inesperado.

Poderíamos, em ermo, sentir os primeiros passos da Noite,
Que vinha com os seus grandes pés escuros
Quebrando frágeis galhos e machucando flores e plantas silvestres.

Casa de Índios na floresta
Mata-Mata no Moju (PA)
(Giuseppe Leone Righini: artista italiano)

Referência:

SCHMIDT, Augusto Frederico. Soneto amazônico. In: LISBOA, Henriqueta (Org.). Antologia escolar de poemas para a juventude. Rio de Janeiro, RJ: Ediouro - Tecnoprint, 1981. p. 30.

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