Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Ana Cristina Cesar - houve um poema

A poesia nasce dos momentos de urgência, exatamente daqueles com potencial para marcar a nossa mente com algo que precisa de enunciação, assimilação, interpretação, compreensão, tal que em seu céu já não caiba nenhum consolo.

Mas o próprio poema pode veicular a condição de último recurso que não conseguiu atingir o seu intento, e em sua fragilidade, fluir em direção ao ralo, mesmo que revestido com toda a graça, como diria Quintana, “ferido de mortal beleza”!

J.A.R. – H.C.

Ana Cristina Cesar
(1952-1983)

houve um poema

houve um poema
que guiava a própria ambulância
e dizia: não lembro
de nenhum céu que me console,
nenhum,
e saía,
sirenes baixas,
recolhendo os restos das conversas,
das senhoras,
“para que nada se perca
ou se esqueça”,
proverbial,
mesmo se ferido,
houve um poema
ambulante,
cruz vermelha
sonâmbula
que escapou-se
e foi-se
inesquecível,
irremediável,
ralo abaixo.

Frutos da Criação
(Victor Bregeda: pintor russo)

Referência:

CESAR, Ana Cristina. houve um poema. In: __________. Ana Cristina Cesar. Organização, apresentação e notas de Armando Freitas Filho; ensaio de Silviano Santiago. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2004. p. 52. (Coleção “Novas Seletas”: Coordenação de Laura Sandroni)

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