Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 18 de novembro de 2017

Afonso Henriques de Guimarães Neto - Poema

Afonso Henriques, neto do famoso poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens, busca definir o que seja um poeta: um cultivador de “neurose própria”, que daria um belo trabalho de análise e de interpretação para os adeptos da psicanálise! (rs)

Porta-se o vate como um interrogador de tudo o que se passa ao redor, conferindo perspectiva ‘sui generis’ a fatos, sentimentos e paisagens, muitas vezes lançando mão de forte intuição, pois, está claro, boa parte do que se cria em matéria de arte não passa pelo crivo da compreensão, ou melhor, da pura racionalidade.

J.A.R. – H.C.

Afonso Henriques de Guimarães Neto
(n. 1944)

Poema

Ser poeta é cultivar uma neurose própria,
mesmo se muita lua exista e haja luz,
mesmo se todos os lábios se esgarcem
à procura da graça que não houve.

Ser poeta é fugir repentinamente
por uma porta qualquer
e perguntar ao tempo neutro:
“é verdade que toda essa paisagem existe?”
“mas por quê?”
“por que logo tão amarela?”

Ser poeta é ultrapassar as últimas fronteiras
e duvidar muito em silêncio:
“serão essas as estâncias derradeiras?”
Ser poeta é sentir-se subitamente burro,
por inteiro incapaz,
por todos os lados vazio
o universo em cinza e vento
atravessado em sombras na garganta.
Ser poeta é ser mais profundo que os rios,
mais compacto que as montanhas,
mais verdadeiro que toda a linguagem,
é cultivar um incêndio muito íntimo.

E não compreender coisa alguma disso...

O Poema
(Mary Evelina Kindon: pintora inglesa)

Referência:

GUIMARÃES NETO, Afonso Henriques de. Poema. In: AYALA, Walmir (Ed.). Poetas novos do Brasil. Rio de Janeiro, GB: Instituto Nacional do Livro, 1969. p. 25-26. (Coleção Cultura Brasileira: Literatura - Antologias; n. 1)

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