Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Ferreira Gullar - Traduzir-se

Na década de 80, o cantor e compositor Fagner musicou belos poemas de alguns nomes da literatura, como, v.g., Fernando Pessoa, Florbela Espanca e Ferreira Gullar – sendo da autoria deste último o poema que a seguir se transcreve.

O poema, em sua temática, revela a inconstância do ser, que migrando de um polo a outro, põe em questão a estrutura mesma da realidade. Pergunta-se então no poema: será arte a habilidade de traduzir, de uma à outra ponta, as manifestações duais que nos assolam? Ou de outra forma: converter em linguagem aquilo que nos desassossega?

J.A.R. – H.C.

Ferreira Gullar
(n. 1930)

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
Será arte?

Traduzir-se
Fagner (1981)

Referência:

GULLAR, Ferreira. Traduzir-se. In: __________. Os melhores poemas de Ferreira Gullar. 2. ed. São Paulo, SP: Global, 1985. p. 144-145. (‘Os Melhores Poemas’; v. 3)

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