Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Norberto Bobbio – Teoria Geral do Direito (Parte I)

(Para ler a nota de aviso, acesse aqui)

RESENHA DA “TEORIA GERAL DO DIREITO” DE NORBERTO BOBBIO
1     Referência
BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. Tradução de: Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007 (Justiça e Direito).
2    Apresentação do Autor e de suas Obras [1]
Norberto Bobbio - antes de tudo, um mestre da filosofia política europeia - foi professor das Universidades de Siena e Pádua, tendo passado, a partir de 1948, a catedrático da Universidade de Turim. Nasceu em 18/10/1909, em Turim (Itália) e faleceu na mesma cidade, em 9/1/2004. Licenciado em Direito e Filosofia, dedicou-se à carreira universitária, com docência no âmbito da Filosofia do Direito e da Filosofia Política. Tais matérias ocuparam grande parte de sua extensa bibliografia, que sempre atentou para os problemas da vida cultural e ideológica de seu tempo.
A temática de seus estudos é muito ampla, sendo a maior parte de suas obras compêndios de ensaios ou de apontamentos universitários, abarcando assuntos distintos, como a filosofia política, a sociologia jurídica, a teoria geral do direito, a filosofia analítica, o direito internacional, a teoria da justiça, os direitos humanos e a história da filosofia.
Dentro da variada gama de estudos jurídicos, destaca Bobbio sua predileção pelos problemas da teoria geral do direito, aficção procedente da leitura de Carnelutti. É decisiva, contudo, a influência kelseniana, de acordo com a qual desenvolve uma teoria normativista e formalista. A tal matéria dedicou grande quantidade de ensaios, destacando-se os apontamentos correspondentes a dois cursos acadêmicos, publicados inicialmente com as denominações de Teoria da Norma Jurídica, em 1958, e de Teoria do Ordenamento Jurídico, em 1960. Essas duas publicações, por sua conexão e continuidade, seriam compiladas posteriormente em um só volume, com a denominação de Teoria Geral do Direito, objeto desta resenha.
3    Síntese das Principais Ideias [2]
PREFÁCIO (p. IX-X)
Bobbio observa que, acatando sugestões de seu editor e de críticos, resolveu republicar, em um só volume e sob o título em apreço, dois cursos que houvera ministrado na Universidade de Turim, nos anos acadêmicos de 1957-58 e 1959-60, enquanto professor de filosofia do direito, quais sejam, Teoria da Norma Jurídica e Teoria do Ordenamento Jurídico. Tratam eles da síntese dos estudos do autor, relativa à teoria do direito, durante os quase vinte anos que vão do primeiro pó-guerra até aproximadamente 1968 (p. IX-X).
Bobbio reconhece a inspiração nitidamente kelseniana de seus textos, ainda que defira tributos aos pensadores italianos da doutrina da instituição, segundo os quais a definição do direito não há de ser buscada, como acontecia tradicionalmente, nos caracteres distintivos da norma, mas nos do ordenamento (p. XI).
Por fim, como a antecipar possíveis vislumbres de pacificação entre aspectos teóricos muitas vezes antitéticos, o autor observa que adotará “[...] uma tendência constante a evitar teses extremistas, que exibem originalidade barata, e as reducionistas, que se omitem de enxergar todos os lados da questão” (p. XII) [3].
PRIMEIRA PARTE − TEORIA DA NORMA JURÍDICA (p. 1-170)
I.      O Direito como Regra de Conduta (p. 3-24)
Como dispõe Bobbio, o direito pode ser considerado como um conjunto de normas ou de regras de conduta. Por conseguinte, “[...] a experiência jurídica é uma experiência normativa” (itálico do autor) (p. 3).
As normas jurídicas são apenas parte de todas as normas ou regras de conduta. Há também norma de natureza religiosa, moral, social etc. Sendo assim, regras são “[...] proposições com a finalidade de influenciar o comportamento dos indivíduos e dos grupos, de dirigir a ação dos indivíduos e dos grupos mais para certos objetivos que para outros” (p. 6).
Ao regularem relações, os diversos tipos de regras configuram distintos planos de atuação: (i) as regras morais, no âmbito da relação do homem consigo mesmo; (ii) os preceitos religiosos, na relação do homem com as divindades; e (iii) as normas jurídicas, quando as relações dizem respeito às interações humanos (p. 6-7).
Segundo Bobbio, há, pelo menos, duas teorias jurídicas diferentes da teoria jurídica normativa: a teoria do direito como instituição e teoria do direito como relação. Quanto à primeira, Santi Romano afirma que o conceito de direito deve conter os seguintes elementos essenciais (p. 8-9): (a) deve reconduzir ao conceito de sociedade (ubi societas ibi ius / ubi ius ibi societas); (b) deve conter a ideia de ordem social; e (c) antes de ser norma, deve ser organização. Essa sociedade ordenada e organizada é o que Santi Romano chama instituição: para que ela exista, o elemento fundamental é a organização. Bobbio replica que, apesar de se poder dizer que o direito pressupõe uma sociedade, não é verdade que toda sociedade existente tem natureza jurídica: não se pode dizer que ubi societas ibi ius (p. 10).
O autor tece algumas outras críticas à teoria institucionalista: (i) “[...] não há nenhuma razão que induza a excluir que a teoria normativa também possa ser compatível com o pluralismo jurídico”, haja vista que não se há de restringir a palavra norma apenas às normas do Estado (p. 14); e (ii) a afirmação de que antes de ser norma o direito é instituição é discutível, pois não há organização sem normas, escritas ou não-escritas (p. 15).
Bobbio tece elogios à teoria da instituição, no sentido de que graças a ela a teoria geral do direito evoluiu de teoria das normas à teoria do ordenamento, assumindo uma nova ordem de problemas, ligados à formação, coordenação e integração de um sistema normativo (p. 16).
Adentrando a seara da teoria da relação, particularmente no da teoria da relação intersubjetiva, afirma-se que a relação entre dois indivíduos é uma expressão jurídica, uma vez assente na ideia, originária do direito natural, de Estado como um contrato entre os homens. Segundo os institucionalistas, todavia, uma simples relação entre dois sujeitos não pode constituir direito, porquanto é “[...] necessário que esta relação esteja inserida numa série mais ampla e complexa de relações constituintes, isto é, a instituição (p. 17).
A teoria kantiana do direito, por sua vez, entende que uma relação jurídica ocorre por acordo entre vontades livres de indivíduos. Kant classifica as relações humanas em quatro modalidades: (i) um sujeito tem direitos e deveres e outro tem apenas direitos e não deveres (relação com as divindades); (2) um sujeito tem direitos e deveres e outro tem apenas deveres e não direitos (relação de escravidão); (3) um sujeito tem direitos e deveres e outro não tem nem direito nem deveres (relação com animais); e (4) um sujeito tem direitos e deveres e outro também tem direitos e deveres, o que, entre as modalidades mencionadas, retrata a lídima relação jurídica entre os homens (p. 18).
Bobbio cita, ainda, Del Vecchio, para quem a mesma ação pode ser avaliada sob uma perspectiva moral − em cotejo com a mesma pessoa que executa a ação − ou sob uma perspectiva jurídica, vale dizer, em relação às pessoas a quem a ação é dirigida, o que permite delimitar o direito “[...] como um conjunto de relações entre sujeitos, de modo que se um tem o poder de realizar certa ação, o outro tem o dever de não impedi-la” (p. 18-19).
Depois de sumariar as ideias de Alessandro Levi, em sua Teoria generale del diritto, Bobbio as critica por pretender reduzir o direito a uma mera relação, e não a uma relação regulada. Ao fim, o autor afirma que a teoria da relação jurídica acaba por desembocar, tal como a teoria da instituição, na teoria normativa (p. 21).
Essas três teorias, segundo Bobbio, não se excluem reciprocamente, senão se integram utilmente uma com a outra. Sintetizando os três aspectos acentuados em cada uma delas − a organização, a relação e a norma −, o autor sobreleva a importância desta última: “A intersubjetividade e a organização são condições necessárias para a formação de uma ordem jurídica; o aspecto normativo é condição necessária e suficiente” (itálico do autor) (p. 24).
II.     Justiça, Validade e Eficácia (p. 25-48)
Diante de uma norma jurídica, pode ser colocada uma tríplice ordem de problemas: 1) se ela é justa ou injusta; 2) se ela é válida ou inválida; 3) se ela é eficaz ou ineficaz. “Trata-se dos três problemas distintos da justiça, da validade e da eficácia de uma norma jurídica” (itálicos do autor) (p. 25). Esses três critérios de valoração da norma originam três problemas distintos, independentes entre si, no sentido de que a justiça não depende nem da validade nem da eficácia, e a eficácia não depende nem da justiça nem da validade (p. 28).
O critério de justiça, a delimitar o problema deontológico do direito, procura avaliar a aptidão da norma para realizar os valores históricos que inspiram o ordenamento jurídico. O critério de validade, a configurar o problema ontológico do direito, busca apurar a existência da norma, independentemente de ser considerada justa ou injusta. Finalmente, o critério de eficácia, ínsito ao problema fenomenológico do direito, diz respeito à observância da norma pelos seus destinatários e, em caso de violação, a imposição de meios coercitivos pela autoridade que a evocou (p. 26-28).
Sob tal esquema de Bobbio, surgem seis proposições que derivam das formulações anteriores (p. 28-31): (i) uma norma pode ser válida sem ser eficaz; (ii) uma norma pode ser válida sem ser justa; (iii) uma norma pode ser eficaz sem ser válida; (iv) uma norma pode ser eficaz sem ser justa; (v) uma norma pode ser justa sem ser válida; e (vi) uma norma pode ser justa sem ser eficaz.
Bobbio exercita ainda outra caracterização dessas três dimensões do direito: (i) a filosofia do direito, sob o enfoque da justiça, ao investigar a correspondência da norma com os valores sociais, passaria a delimitar o que comumente se denomina teoria da justiça; (ii) a filosofia do direito, sob o enfoque da validade, ao investigar as características específicas do ordenamento, constituiria a chamada teoria geral do direito; e (iii) a filosofia do direito, sob o enfoque da eficácia, ao investigar o comportamento efetivo dos homens em sociedade, sob a égide da normatividade jurídica, constituiria a denominada sociologia jurídica (p. 31-33).
Ignorar qualquer destes três níveis da normatividade jurídica − validade, eficácia e justiça −, como esquecer quaisquer das três dimensões do mundo jurídico − norma, fato social e valor −, significa um exaurimento do direito, a recaída nas posturas unilaterais do formalismo, do sociologismo ou do jusnaturalismo radical ou exacerbado. Como diz Bobbio, esse é o “[...] erro do ‘reducionismo’, que leva a eliminar ou no mínimo a ofuscar um dos três elementos constitutivos da experiência jurídica e, portanto, a mutila” (p. 34).
As manifestações históricas e atuais dessa unilateralidade reducionista abarcariam assim, segundo Bobbio, três atitudes diferentes: (i) redução da validade à justiça; (ii) redução da justiça à validade; e (ii) redução da validade à eficácia (p. 34).
Bobbio, atentando para o trinômio justiça, validade e eficácia, passa a empreender minudente análise acerca das três vertentes que possuem como objeto preferencial de sua análise cada uma dessas dimensões do direito, a saber, o direito natural (jusnaturalismo), o positivismo jurídico (juspositivismo) e o realismo jurídico, respectivamente.
No que pertine ao direito natural, o autor objeta “[...] que o direito corresponda à justiça é uma exigência ou, se preferirmos, um ideal a ser alcançado que ninguém pode desconhecer, mas não é uma realidade de fato (p. 35-56)”. Distinções entre o justo e o injusto não são universais, como se verdade matemática demonstrável fossem.
Com respeito ao positivismo, como exposto, equivoca-se ao reduzir a justiça à questão de validade das normas, sob argumentos diversos, como, por exemplo, o de Kelsen − pela subjetividade e irracionalidade subjacentes ao conceito de justiça (p. 39).
Hobbes diz que não há um justo por natureza, mas por convenção. Não existe critério do justo e do injusto fora da lei positiva, isto é, fora do comando do soberano. Não é possível, segundo ele, distinguir o justo do injusto no estado de natureza: justo é aquilo que é comandado, apenas pelo fato de ser comandado, ou de outro modo, “[...] é injusto o que é proibido, apenas pelo fato de ser proibido” (p. 39).
Bobbio expõe, em seguida, os aportes teóricos do realismo jurídico: no transcurso do século XX, muitos foram os pensadores do direito que buscaram na realidade social os elementos balizadores para as suas formulações teóricas, pois ali é a paragem “[...] onde o direito se forma e se transforma, nas ações dos homens que fazem e desfazem com seus comportamentos as regras de conduta que os governam”. Tal abordagem, segundo o autor, vai de encontro ao jusnaturalismo e ao positivismo, pondo em relevo mais a eficácia que a justiça ou a validade (p. 42). Para os realistas, o que importa é o direito aplicado em sua concretude − em contraste ao direito imposto −, pois é o “[...] único objeto possível de pesquisa por parte do jurista que não queira se entreter com fantasmas vazios” (p. 43).
Logo após, Bobbio apresenta um breve histórico dos contributos das correntes sociológicas do direito, sumariadas em suas três principais vertentes: (i) escola histórica do direito (Carl Von Savigny); (ii) concepção sociológica do direito (Kantorowicz, François Gény, Eugen Erlich); e (iii) concepção realista do direito (Oliver W. Holmes, Roscoe Pound, Jerome Frank). Ao final, afirma que essas correntes tiveram o poder de impedir a “[...] cristalização da ciência jurídica em uma dogmática sem impulso inovador” (p. 46).
De resto, a principal crítica que se faz ao realismo jurídico, segundo Bobbio, resumiu-se à “[...] revisão das fontes do direito, vale dizer, numa crítica ao monopólio da lei e na reavaliação de duas outras fontes diversas da lei, o direito consuetudinário e o direito judiciário (o juiz legislador)” (itálico do autor) (p. 47).

(Para ler a Parte II, acesse aqui)


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